domingo, 26 de junho de 2011

MENINO SEM DESTINO

                        MENINO SEM DESTINO

         Voltando de longa jornada de trabalho pela estrada, a música ecoava no ar. Nada podia mudar aquele momento, ele era único, era mágico. Alguns flashes da lembrança passavam desapercebidos pela minha mente... De repente fixei o olhar nas pessoas que atravessavam a rua; o vento era forte, o frio insuportável, mas lá estava ele, enrolado em trapos que mal tocavam seus pés – um menino sem destino.
Caminhando pela rua desvairado, sob a guarda das estrelas... “que Deus o proteja!”, pensei eu. Espere!!! Não posso pensar assim; se fosse um filho meu deixado à própria sorte? E se alguém lá em cima estivesse olhando por ele, tentando fechar os sinais de trânsito, para que os que parassem pudessem ver e sentir? O que faria? Mas, lá ia ele, revirando as latas de lixo à procura de algo, como um cão sarnento na busca de alimento.
         Quem sou eu? Quem somos nós? Somos da mesma raça? Cremos no mesmo Deus? Por que então pelo vidro do meu carro, estou inerte? Sinto-me inútil, como se olhasse pelo retrovisor e dissesse: - Outro o verá...
         A chuva agora cai como pequenas lâminas de vidro, a visão é terrível, não há lugar que o abrigue; logo o vento passará por ele e cortará seu corpo frágil como uma faca afiada. Aqui onde estou, o ar é aquecido pelo motor... O Sinal já abriu, mas não consigo me mover, outros ofuscam o som da música que ecoa no ar com suas buzinas e palavrões. Mal posso acreditar no que estou vendo: a luta desesperada de uma alma que não pediu para nascer. Como alguém pode abandonar uma criança sem ter um pingo de remorso? Ao ver esta cena que em nada lembra o papel da vida como aprendida na escola, sinto-me impotente, como atrás de uma tela, observando sem poder tocá-la. Tento me mexer, mas parece inútil, como num sonho acordado, estou preso ao passado, à cultura imbecil, a doutrinas vãs.
         As horas passam e eu ali, parado, inerte a observar.
         - Quem vem lá! – exclamei perplexo pelo vulto que se aproximara repentinamente. Parece uma senhora idosa curvada pelo tempo; num acalanto, um gesto ínfimo de ternura o envolve. Já não contenho as lágrimas, mas, ainda estou parado. Quem será aquela Senhora? De onde surgiu? Não havia ninguém por perto, somente as luzes do meu carro tornavam aquele momento indivisível.
         Um forte sentimento me toma a alma e me aterroriza. Escuto vozes dentro de mim... Agora, estou me movendo lentamente, mas a sensação é de uma grande oportunidade perdida, pois alguém fechou os sinais de trânsito, e eu o sabia, mas fiquei inerte à ação que de mim esperavam. Sou um lixo! A sociedade é um lixo! Incapaz de perceber que o universo se movimenta por cada ser.
“Se a um desses meus pequeninos o fizeste, a mim o fizeste” “Olhai os lírios do campo.....” Não poderia deixar de pensar nessas palavras do Salvador, a cada um de nós são dadas várias oportunidades de praticar o bem. O que existe de mais sublime do que a caridade? E ficamos nós a pensar em grandes desafios, grandes obras e esquecemos que a caridade é a maior de todas.
Por Paulo Figueiredo

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