AO OLHAR DO OBSERVADOR
- Ô mundão grande sô! Num bom sotaque caipira, faço essa exclamação mediante a vista que tenho ao cruzar as estradas deste país. Do lugar mais remoto e esquecido pelo tempo – lugar onde Judas deu sete pulos e sete quedas após perder as botas – começo a compreender porque os sem terras invadem essas áreas na busca de um pedacinho de chão; mas só o que conseguem são sete palmos abaixo dele.
Fico impressionado que apesar desta vasta extensão de terras, por todos os lugares que passei, não há um lugarzinho sequer que não tenha cerca, e haja cerca.
Dentro dos acampamentos dos sem terras, vi crianças, jovens e velhos, como uma cadeia hereditária de gente que sofre. Espremidos entre a estrada e a vala – pequena faixa de terra entre a cerca e a estrada – eles se organizam como podem; demonstrando empolgação e vontade de trabalhar a terra. Apesar dessa situação, dos espertalhões que os usam como massa de manobra e outros que não os deixam sossegados no istmo de vida que têm. Suas casas são de “pau-a-pique”, cobertas de folhas secas com varas de bambus para sustentá-las.
O olhar do observador não perde nada, sigo o meu rumo atento a tudo, como os urubus no sertão árido a espera da carniça.
Enquanto dirijo, estou a escrever, não há nada mais ocioso, o caminho é longo e reto; pode-se ver a quilômetros de distância. Como na busca eterna pelo horizonte, sigo com a imagem dos sem terras na mente e a preocupação se ainda os verei em meu regresso. De repente, vejo uma linda menina andando de bicicleta com uma mochila nas costas; a estrada quase não tem acostamento e o que dirá asfalto. De onde estará vindo? Não vejo nada, nenhuma casa. Passo apressadamente e mais adiante, vejo o olhar atento de uma mulher; imagino ser a mãe da menina e que ela deva estar indo para a escola, mas onde? É lugar comum e não leva a lugar nenhum... Que pensa essa mãe? Até onde consegue enxergar, na tentativa inútil de protegê-la...
O sol agora surge envolto por uma paisagem esplendorosa: o cerrado cede lugar a belos campos...
Vejo um andarilho, será que alguém o espera? Há quantos dias está no caminho? Quais são seus pensamentos? Em algum momento de sua jornada, ele já teve uma vida normal; como se encontra agora, seria repudiado por todos. Penso que um bom banho, barba feita, roupas limpas, orientação psicológica e ajuda profissional, poderiam reintegrá-lo à sociedade; mas quem tem empatia hoje em dia?
A atenção ao caminho, não me deixa escrever como gosto... lá vem outra ponte; mais um riacho de águas tranquilas. Que país maravilhoso e abençoado pela natureza: uma variedade da fauna e flora, água doce e límpida por todos os lados. Agora entendo a admoestação de “Vaz de Caminha” ao Rei de Portugal.
Os tempos agora são outros, o peão vem em seu cavalo de aço tocando a boiada, a canção sertaneja foi trocada pelo funk...
tiririm, tiririm, tiririm, alguém ligou pra mim.
tiririm, tiririm, tiririm, alguém ligou pra mim.
Sou eu bola de fogo....
Tô ficando atoladinha. Tô ficando atoladinha.
Tô ficando atoladinha... bem, deixa eu mudar essa rádio... shishishishishishishishishishishishishishishishishishi.. é impossível, só pega essa droga.
As culturas amanhecem com o brilho do orvalho reluzindo à luz do sol. Não se consegue ver até onde vão, transcende aos olhos do homem. Seria impossível ao camponês de outrora fazer tal cultivo sem os implementos e equipamentos modernos. E ainda se morre de fome nesta terra...
Há uma canção do Milton Nascimento que mostra muito bem a realidade do campo e me veio à lembrança ao observar as crianças brincando dentro de um pequeno riacho; pulam e dão piruetas no ar, saltam de um cipó para dentro do rio, sobem em árvores; que coisa maravilhosa que as crianças da cidade não conhecem. A estória fala de dois meninos que cresciam juntos, um branco filho do fazendeiro e outro negro, filho do empregado. Eram muito amigos. O tempo foi passando e era hora do menino branco estudar na capital; então, ele foi para a cidade e o outro ficou no campo.
Com o passar dos anos, o menino branco, hoje um homem, voltou doutor e foi rever seus familiares e amigos, mas não encontrou seu companheiro de tantas travessuras, procurou por ele e o achou no campo arando a terra. A alegria de revê-lo foi tomada de tristeza pelas mãos grossas e calejadas e os traços que a vida havia deixado em seu rosto. Abraçando-o, mostrou seu diploma de doutor e perguntou-lhe: - o que tem feito meu amigo? Ao que ouviu do menino negro, hoje um homem: - hoje faço com meu braço meu viver, compreendeu a diferença que infelizmente só gente grande consegue enxergar.
O perfume dos eucaliptos, tão gostoso, consegue desviar minha atenção das crianças brincando no riacho; sigo em frente em busca do horizonte perdido, da infância perdida. De repente, avisto uma corredeira de águas extremamente transparentes. Parece o paraíso. Suas margem florida me convida a um mergulho e num segundo... O que estou fazendo? Preciso continuar minha viagem... Esquecendo até de meus 45 anos de idade, lá estou eu como os meninos que há pouco vira, totalmente desnudo como vim ao mundo, na mais pura inocência; que se dane, a viagem pode esperar. Depois de inúmeros insucessos na tentativa de nadar, resolvi descansar nas margens do rio. Deitado de papo pr’o ar, admirando as mãos abençoadas de quem plantara a árvore que me acolhia em sua sombra, refleti sobre a soma dos quadrados dos catetos ser igual ao quadrado da hipotenusa e qual a vantagem da vida na cidade grande; se tudo que eu quero foi expresso por Zé Rodrigues:
“Eu quero uma casa no campo,
onde eu possa compor muitos rocks rurais,
e tenha somente a certeza,
dos amigos do peito e nada mais.
Eu quero carneiros e cabras
pastando solenes no meu jardim,
eu quero o silêncio das línguas cansadas...
Eu quero a esperança de óculos
e meu filho de cuca legal
Eu quero plantar e colher com a mão
a pimenta e o sal...
Eu quero uma casa no campo
Do tamanho ideal pau-a-pique e sapê
Onde eu possa plantar meus amigos
Meus discos, meus livros e nada mais.”
Será que eu pus um grilo na minha cabeça? Para os mais jovens – tá ligado! O que tiro de tudo isso, é que onde eu estiver, lá estarão, meu amor, minha família, os amigos verdadeiros, meus sonhos e as lembranças que trago comigo; pouco importa se no campo ou na cidade.
Por Paulo Figueiredo
Por Paulo Figueiredo
Boleia da vida
Via-me menino
sonhando na estrada,
corria descalço
na beira do rio.
Vivia menino
cantando bem alto,
corria pelado
pra dentro do rio.
Passando o tempo,
acabando a bonança
chega no pó
O caminhão da esperança
Canteiros que sobram
na beira do caminho
me trazem a lembrança
de que não vou sozinho.
Crescia o menino
na sombra da noite
fogueira acessa
a noite inteira.
Descia o menino
na sanha e na proa
Boleia torcida,
no açoite da vida.
Por Paulo Figueiredo
Por Paulo Figueiredo