segunda-feira, 27 de junho de 2011

AO OLHAR DO OBSERVADOR

                  AO OLHAR DO OBSERVADOR

          - Ô mundão grande sô! Num bom sotaque caipira, faço essa exclamação mediante a vista que tenho ao cruzar as estradas deste país. Do lugar mais remoto e esquecido pelo tempo – lugar onde Judas deu sete pulos e sete quedas após perder as botas – começo a compreender porque os sem terras invadem essas áreas na busca de um pedacinho de chão; mas só o que conseguem são sete palmos abaixo dele.
Fico impressionado que apesar desta vasta extensão de terras, por todos os lugares que passei, não há um lugarzinho sequer que não tenha cerca, e haja cerca.
          Dentro dos acampamentos dos sem terras, vi crianças, jovens e velhos, como uma cadeia hereditária de gente que sofre. Espremidos entre a estrada e a vala – pequena faixa de terra entre a cerca e a estrada – eles se organizam como podem; demonstrando empolgação e vontade de trabalhar a terra. Apesar dessa situação, dos espertalhões que os usam como massa de manobra e outros que não os deixam sossegados no istmo de vida que têm. Suas casas são de “pau-a-pique”, cobertas de folhas secas com varas de bambus para sustentá-las.
          O olhar do observador não perde nada, sigo o meu rumo atento a tudo, como os urubus no sertão árido a espera da carniça.
          Enquanto dirijo, estou a escrever, não há nada mais ocioso, o caminho é longo e reto; pode-se ver a quilômetros de distância. Como na busca eterna pelo horizonte, sigo com a imagem dos sem terras na mente e a preocupação se ainda os verei em meu regresso. De repente, vejo uma linda menina andando de bicicleta com uma mochila nas costas; a estrada quase não tem acostamento e o que dirá asfalto. De onde estará vindo? Não vejo nada, nenhuma casa. Passo apressadamente e mais adiante, vejo o olhar atento de uma mulher; imagino ser a mãe da menina e que ela deva estar indo para a escola, mas onde? É lugar comum e não leva a lugar nenhum... Que pensa essa mãe? Até onde consegue enxergar, na tentativa inútil de protegê-la...
          O sol agora surge envolto por uma paisagem esplendorosa: o cerrado cede lugar a belos campos...
          Vejo um andarilho, será que alguém o espera? Há quantos dias está no caminho? Quais são seus pensamentos? Em algum momento de sua jornada, ele já teve uma vida normal; como se encontra agora, seria repudiado por todos. Penso que um bom banho, barba feita, roupas limpas, orientação psicológica e ajuda profissional, poderiam reintegrá-lo à sociedade; mas quem tem empatia hoje em dia?
          A atenção ao caminho, não me deixa escrever como gosto... lá vem outra ponte; mais um riacho de águas tranquilas. Que país maravilhoso e abençoado pela natureza: uma variedade da fauna e flora, água doce e límpida por todos os lados. Agora entendo a admoestação de “Vaz de Caminha” ao Rei de Portugal.
          Os tempos agora são outros, o peão vem em seu cavalo de aço tocando a boiada, a canção sertaneja foi trocada pelo funk...
          tiririm, tiririm, tiririm, alguém ligou pra mim.
          tiririm, tiririm, tiririm, alguém ligou pra mim.
          Sou eu bola de fogo....
          Tô ficando atoladinha. Tô ficando atoladinha.
          Tô ficando atoladinha... bem, deixa eu mudar essa rádio... shishishishishishishishishishishishishishishishishishi.. é impossível, só pega essa droga.
          As culturas amanhecem com o brilho do orvalho reluzindo à luz do sol. Não se consegue ver até onde vão, transcende aos olhos do homem. Seria impossível ao camponês de outrora fazer tal cultivo sem os implementos e equipamentos modernos. E ainda se morre de fome nesta terra...
          Há uma canção do Milton Nascimento que mostra muito bem a realidade do campo e me veio à lembrança ao observar as crianças brincando dentro de um pequeno riacho; pulam e dão piruetas no ar, saltam de um cipó para dentro do rio, sobem em árvores; que coisa maravilhosa que as crianças da cidade não conhecem. A estória fala de dois meninos que cresciam juntos, um branco filho do fazendeiro e outro negro, filho do empregado. Eram muito amigos. O tempo foi passando e era hora do menino branco estudar na capital; então, ele foi para a cidade e o outro ficou no campo.
          Com o passar dos anos, o menino branco, hoje um homem, voltou doutor e foi rever seus familiares e amigos, mas não encontrou seu companheiro de tantas travessuras, procurou por ele e o achou no campo arando a terra. A alegria de revê-lo foi tomada de tristeza pelas mãos grossas e calejadas e os traços que a vida havia deixado em seu rosto. Abraçando-o, mostrou seu diploma de doutor e perguntou-lhe: - o que tem feito meu amigo?  Ao que ouviu do menino negro, hoje um homem: - hoje faço com meu braço meu viver, compreendeu a diferença que infelizmente só gente grande consegue enxergar.
          O perfume dos eucaliptos, tão gostoso, consegue desviar minha atenção das crianças brincando no riacho; sigo em frente em busca do horizonte perdido, da infância perdida. De repente, avisto uma corredeira de águas extremamente transparentes. Parece o paraíso. Suas margem florida me convida a um mergulho e num segundo... O que estou fazendo? Preciso continuar minha viagem...  Esquecendo até de meus 45 anos de idade, lá estou eu como os meninos que há pouco vira, totalmente desnudo como vim ao mundo, na mais pura inocência; que se dane, a viagem pode esperar. Depois de inúmeros insucessos na tentativa de nadar, resolvi descansar nas margens do rio. Deitado de papo pr’o ar, admirando as mãos abençoadas de quem plantara a árvore que me acolhia em sua sombra, refleti sobre a soma dos quadrados dos catetos ser igual ao quadrado da hipotenusa e qual a vantagem da vida na cidade grande; se tudo que eu quero foi expresso por Zé Rodrigues:
          “Eu quero uma casa no campo,
          onde eu possa compor muitos rocks rurais,
          e tenha somente a certeza,
          dos amigos do peito e nada mais.
          Eu quero carneiros e cabras
          pastando solenes no meu jardim,
          eu quero o silêncio das línguas cansadas...
          Eu quero a esperança de óculos
          e meu filho de cuca legal
          Eu quero plantar e colher com a mão
          a pimenta e o sal...
         
Eu quero uma casa no campo
Do tamanho ideal pau-a-pique e sapê
Onde eu possa plantar meus amigos
Meus discos, meus livros e nada mais.”
          Será que eu pus um grilo na minha cabeça? Para os mais jovens – tá ligado! O que tiro de tudo isso, é que onde eu estiver, lá estarão, meu amor, minha família, os amigos verdadeiros, meus sonhos e as lembranças que trago comigo; pouco importa se no campo ou na cidade.
Por Paulo Figueiredo

         Boleia da vida
          Via-me menino
          sonhando na estrada,
          corria descalço
          na beira do rio.
          Vivia menino
          cantando bem alto,
          corria pelado
          pra dentro do rio.
          Passando o tempo,
          acabando a bonança
          chega no pó
          O caminhão da esperança
          Canteiros que sobram
          na beira do caminho
          me trazem a lembrança
          de que não vou sozinho.
          Crescia o menino
          na sombra da noite
          fogueira acessa
          a noite inteira.
          Descia o menino
          na sanha e na proa
          Boleia torcida,
          no açoite da vida.
Por Paulo Figueiredo

BRINCADEIRA DE CRIANÇA

BRINCADEIRA DE CRIANÇA

          As nuvens passam diante de minha janela, deitado, acordado, como um carrossel de criança a girar ao som dos ventos. Suas formas se transformam no que a gente quiser.
          Vejo um dragão chinês, suas labaredas atingem o exército japonês, aos poucos ele perde a força, já não solta mais lampejos e se transforma numa águia a lutar pela liberdade, suas asas são cortadas, sem sucesso é banida no cogumelo de fumaça. Agora vejo um muro derrubado que separava corações, se transformar num guerreiro sem escrúpulos que explode na multidão.
          As nuvens carregadas precisam lavar a alma, chorando deságuam suas mágoas e tristezas nos rios que correm para o mar. No meio do mar vejo casas derrubadas e alagadas, gente e dor de quem não tem nada a ver com isto. Lá vem o vento na esperança de formar novas nuvens e dar asas à minha imaginação.
          Vejo terras sem fim, muito grandes com cercas em toda a volta, o povo desejoso de possuí-las não consegue. Suas florestas devastadas se transformam em cortina de fumaça. Novamente carregadas, choram amargamente no vai e vem das correntes de ar.
          Deitado em meu quarto, ouvindo uma gaita irlandesa, vejo a nobreza tirar a coroa. Não desisto, minha imaginação ao olhar as nuvens no céu de brigadeiros e generais irão me dar à visão de algo belo e singelo como as flores dos campos de primavera.
Por Paulo Figueiredo




P'RA NÃO DIZER QUE SÓ FALEI DAS FLORES

P’RA NÃO DIZER QUE SÓ FALEI DAS FLORES.

Deitado em berço esplêndido,
ao som do mar eternamente belo.
As margens verdejantes verdes,
tão risonho e florido florão retumbante,
de um céu azul profundo,
um brado retirante ouviu-se:
Teus campos têm mais flores,
nossa gente no teu seio sem amores,
não tem leite, não tem pão,
mas, tem sede de justiça nas mãos.
A liberdade não foge à luta,
a causa é nobre e plácida
no clarão de raios fúlgidos
que brilham no céu neste instante.
O penhor de nossas vidas,
empenhadas na grandeza de um olhar,
faz o brado ser mais forte,
num sonho intenso de riqueza
que precisa terminar.
Ser mais vívido em nossos bosques,
de lá, tirar o pão e a terra trabalhar.
Oh! Juventude tão esperada
desperta-te pátria minha ensolarada,
salva a tua mãe
gentilmente dos braços do Ipiranga.
Reforça as tuas entranhas
e não permitas ser pisada
por gente estranha.
A igualdade, a liberdade e a fraternidade
são os desejos estrelados
do heróico povo que marcha
em suas margens varonil.
Já raiou o dia e a liberdade
não há mais o que esperar
quem sabe, faz a hora.
Vem, vamos estender a clava forte,
o dia já nasceu, independência ou morte,
oportunidade não é sorte
e o fraco já morreu.
Sete de setembro, vamos comemorar o quê?
em cada canto um aviso,
em cada gesto um suplício
e a cada dia um novo grito
“viva o povo e morra o rei,
grita o povo em devoção
mas, seu destino, será, viver na escuridão”?
Por Paulo Figueiredo

ÊXTASE

Êxtase
A luz do luar
no mar de luz alunar.
Contas e miçangas a brilhar,
refletindo o luar da luz alunar.
Espelhos d’água, peixes a saltar,
borbulhantes, saltitantes
no espelho d’água fulgurante,
pelo reflexo da luz alunar no mar.
A beleza natural do reflexo angular,
na sintonia cintilante a pulsar;
excitante exemplar radiante
da luz fulgurante
no espelho angular.
Azimute, transeunte,
no palco exuberante a caminhar.
Reflexo radiante, saltitante,
como contas e miçangas a pulsar
nas ondas do mar.
Lá de longe, não tão longe,
excitante mar de luz replicante,
Natureza refrescante sua brisa a soprar;
São ondas refletidas das miçangas saltitantes
Na luz do luar no mar alunar.
Por Paulo Figueiredo

DIET SHOCK

DIET SHOCK

          “Penso, logo êxito”. “Como, logo engordo”. Vai começar o vale-tudo do verão.
          Já notaram que está cada vez mais difícil caminhar no calçadão sem cruzar com uma gordinha sacrificando o passeio público? O que dirá encontrar vaga nos estacionamentos das academias? Ou, o que é pior ainda, vaga nas agendas das clinicas especializadas em tratamentos milagrosos de combate a celulite e outras coisas mais. Este movimento e nome e sobrenome: “movimento dos sem banha”, ou simplesmente, “MSB”.
          A estação dos corpos nus está chegando e com ela, a preocupação com a maldita celulite e o corpo sarado. É a versão malvada da fábula da cigarra e da formiga: quem poupou o ano inteiro, comeu, comeu, agora precisa correr atrás do prejuízo, e que prejuízo, diria eu.
          Sai gordura que este corpinho não te pertence! Numa sociedade que abunda a aparência em detrimento do cérebro, vivemos num regime cercado de medo em que o criminoso é o gordo – em outras épocas era o mordomo – o castigo é a exclusão umbilical.
          Ser gordo é fazer parte do cinturão globalizado – desculpem a comparação, mas não resisti – que vai desde ser ponto de referências, a pagar mico em lojas de roupas da moda. O que engorda é o corpo e não a mente, ela sempre irá imaginar-se com menos peso do que realmente tem, como se olhasse através de um espelho côncavo.
          No passado o espartilho fazia as vezes da cirurgia, sufocando as formas arredondadas e deixando aquela cinturinha incrivelmente fininha, como a da aprendiz de atriz e cantora mexicana que tirou uma costela. Hoje as cirurgias se tornaram tão banais que já atendem pelo apelido familiar de “lipo”.  O melhor e mais engraçado mesmo são as dietas. Você encontra nas bancas de jornal, nos programas de tv, nas rodas de amigas gordinhas e até nos rodízios de massas; claro após a degustação. Tem a dieta da lua, da luz, south beach, dos chás, seca gordura, líquida, dos sucos, dieta verde, amarela, a cor que você quiser. Todos vendem facilidade e sucesso, o pior é que os gordos e gordas – retórica da lei que tramita no congresso, que reza que toda referência a palavras masculinas deva vir acompanhada do feminino. Seria feminino uma palavra masculina? – acreditam.
          Tenho um amigo que resolveu ajudar a esposa a emagrecer. Depois de gastar fortunas com dietas mágicas e clínicas papa-tudo, descobriu uma receita infalível e que seria de graça, ou melhor, ainda lhe renderia o sossego e uma economia extra. Chamou alguns amigos e planejou a dieta. Consistia em um seqüestro. O plano era deixar a mulher durante dois meses num cativeiro a pão e água. Com isso em mente o plano foi posto em execução. Eles chegaram de madrugada e simularam um assalto, após pegar somente pertences da vítima, disseram que a levariam também. A mulher ficou desesperada e começou a gritar. Seu marido que dormia no quarto, nem se movia, mantinha-se num sono profundo. Ela desesperada correu até o quarto e deu um pulo em cima da cama que caiu com ele ao chão – ela pesava mais de cento e quarenta quilos. Acordado finalmente fez que não sabia de nada, perguntou a ela se aquilo era hora de fazer ginástica. Ao ser informado de que se tratava de um assalto, demonstrou-se surpreso e com medo como um ator amador de novelas.
          Os amigos seqüestradores logo insistiram em levá-la como refém com o que ele concordou prontamente:
          - você não vai me defender? – falou ela.
          - eu? – retrucou – você dá dois de mim, porque não encara sozinha?
          Essas palavras soaram forte demais, nunca provoque uma gordinha. Ela desceu o braço, foi um verdadeiro “pega pra capar”. A vizinhança nessa altura, já estava “de butuca” na janela, imaginando ser mais uma briga do casal. Os amigos do marido que achavam que seria tarefa fácil, estavam mais que amedrontados, a casa fora quase toda quebrada. “O pau comia solto na casa de noca”. Quando a dona redonda deu uma aliviada, a galera correu em direção da janela e pulou do jeito que deu, não importava onde iriam cair nem mesmo como. Ela ainda tinha muita disposição e partiu atrás deles, quando abriu a porta e chegou ao portão, eles haviam “dado no pé”. Aliviada, sentou-se no chão e começou a gargalhar. A vizinhança que já estava na rua se aproximou; todo mundo queria saber o que estava acontecendo. O que mais impressionava é que a mulher não parava de gargalhar, ria, ria, feita uma louca à beira de ser internada. O pessoal se perguntava e imaginava ser o nervosismo natural; passou-se um tempo e a dona gorda – carinhosamente – se acalma; após recobrar as forças ela diz que foi vítima de um sequestro. Espantada, a vizinhança pergunta:
          - A senhora acha isso muito engraçado?
          - Não, não é disso que estou rindo, é que a seqüestrada seria eu e eles levaram foi o paria do meu marido e ainda por cima queriam me colocar num fusquinha!!!
          No final das contas o seu Zé levou o maior prejuízo. Por sorte ela não descobriu tudo.
          Vale lembrar que pior que a perda de um sentido de si mesmo é uma crise de identidade na qual o corpo questiona: se ele é um dos envolvidos no estabelecimento das fronteiras que definem quem somos nós, servindo de fundamento da identidade ou como conviver com a multiplicidade desconcertante e cambiante das identidades imaginárias, com cada uma das quais poderíamos nos identificar, tendo como referência corpos com dimensões absolutamente avantajadas.
Bem, isso quer dizer: e agora com que roupa eu vai à praia?
          Antes de tomar veneno ou um moderador de apetite, é preciso ter coragem de abrir o coração, e, todos os dias escolher quem nós de fato queremos ser, que tipo de estilo de vida adotar. Uma atitude difícil de definição de identidades diante de tantas mensagens negativas que o espelho lhe oferece. Mas, é preciso acreditar: bom mesmo é ser você mesmo, cada um à sua maneira.
Por Paulo Figueiredo

A LENDA

                                  A LENDA

          As ondas batiam fortemente de encontro aos rochedos. Os recifes encobertos pelas marés se transformavam em um grande perigo para todas as embarcações que se aproximavam da costa. Era uma defesa natural contra invasores e contra aqueles que viessem quebrar a harmonia existente na ilha.
          -vão embora, não queremos mudanças, vivemos a milhares de anos assim. Podia ser ouvido no vai e vem das ondas.
          A força dos desbravadores era mais forte, na luta desesperada o mar saía perdendo, não conseguia dobrar o rumo da nau que cada vez mais se apoderava de seu território.
          A natureza chorava.
          O vento não se conteve e na briga entrou, precisava ajudar o mar que naquela altura perdia terreno. Com fortes rajadas e invertendo seu curso, empurravam a nau para longe. As ondas se tornaram encapeladas e a nau retrocedia. O destino daquela gente se tornava incerto, mas, eles possuíam um trunfo: descendo as velas, atacaram com toda a força de seus braços; com remadas ritmadas e constantes, como uma grande galera, conseguiram equilibrar. O vento não era mais páreo para a nau – a muitos e muitos anos somente o mar com seus recursos submersos, conseguira detê-los – mas agora pressentia o pior.
          O vento mudou sua tática, inverteu o curso novamente e trouxe as nuvens que assistiam de longe imparcialmente à lota desesperada da ilha na tentativa de não se tornar globalizada. Era um espetáculo digno de uma pintura... As nuvens se posicionaram com estratégica elegância, sua força retirou a luz dos navegantes e num esforço concentrado lançou seus raios flamejantes; não houve chance, o estandarte da nau tinha sido atingido. Cambaleante estava à deriva, tombava mais um guerreiro, juntava-se assim a outros derrotados no fundo do mar. Mais uma vez a ilha saíra vitoriosa com a união de todos os seus elementos.
          De repente a nau num último esforço lançara ao mar um pequeno bote com duas criaturas: pequenos inocentes. O mar gentilmente os acolheu, diminuindo suas forças deixou que chegassem até a praia. O tempo sorriu, a ilha aquietou-se permitindo sua aproximação. Nunca pés humanos tocaram suas areias, a própria natureza se compadecia, que mal haveria em serem tão indefesos.
          O tempo, o vento, o mar, as ondas e aqueles que descendiam de seus inimigos, construíram uma grande harmonia, não era mais necessário lutar, podiam conviver pacificamente, cada um respeitando o limite do outro.  
          A natureza humana defere de qualquer outra, com o passar dos anos, a ilha tornou-se pequena. Contendas surgiram, os limites não eram mais respeitados. A mistura da terra com a cal nela encontrada embrutecia-se sobre o solo virginal e macio. Arrancada uma a uma até desaparecer completamente as árvores que um dia formavam um lindo tapete e uma barreira contra o calor. A ilha ficou careca. Seu coração fora atingido, arrancado seu minério, fabricavam ferro e aço e tornavam-se cada vez mais forte.
          A ilha havia perdido a batalha; sem perceber seus inimigos naturais apoderaram-se de seu território com o seu consentimento. O mar não se atrevia a avançar mais do que poucos metros da areia, os rios que desaguavam nele traziam cargas tóxicas que destruía tudo que estive a sua volta. Os habitantes marinhos agora estavam sendo atacados e o mar nada podia fazer. O vento também fora atingido com bloqueadores imensos levantados pelos homens, era cortado e sua força perdia-se no ar. As nuvens tentavam lançar seus raios com toda a violência – talvez se lembrando da última vitória – mas era inútil...
          Um grande silêncio que precede o estrondo fez-se ouvir, durante horas o panorama não havia mudado, mas, algo estava prestes a acontecer, de repente, ouviu-se um gemido que vinha do fundo da ilha, como uma explosão, um último suspiro a ilha soluçou... o tremor e o temor foram grandes, a ilha balbuciava como uma gelatina de um lado para o outro; abriu-se um grande vale no coração da ilha que engoliu todas as suas cidades. A noite se tornou espessa, os vapores de fumaça ao longe se avistavam, não houve resposta, a justiça havia sido imposta. A mãe terra reclamara aquilo que era seu.
          Passaram-se assim muitos anos e tudo fora novamente renovado, ninguém ousava se aproximar de suas areias, pois as lendas contavam, sobre a ilha que engoliu as pessoas.
Por Paulo Figueiredo


                Terra a vista!

São naus, navegantes
Que avisto além mar.
Obscuro destino que agoniza
essa gente.
Não se sabe de onde vêm,
mas precisam navegar.

Uma vista, terra vista!
no caminho dessas ondas
um porto encontrar.
Sabe lá quanto tempo
precisa-se navegar.

Suas vozes, seus gemidos,
não os ouço, não os sinto,
agonizam pela cena:
São as ondas
seu destino a mudar.

Sopra o vento, cede a vela
é preciso navegar.
Por Paulo Figueiredo

domingo, 26 de junho de 2011

UM ANJO ME TOCOU

UM ANJO ME TOCOU


         É impressionante como não conseguimos visualizar nossos problemas. Às vezes, é mais fácil ver soluções para outras pessoas, mas não enxergamos as nossas próprias. Se pudéssemos por um momento sair de dentro de nós e olhar o panorama do lado de fora, poderíamos até sugerir várias fórmulas. Muitas vezes o próprio Senhor nos mostra as soluções colocando-as à nossa frente, mas, não enxergamos. Por estarmos tão envolvidos e rancorosos, deixamos de perceber a simplicidade com que as respostas nos vêm; precisamos mudar nossos conceitos e visões, criando novos paradigmas e deixando a mente aberta para cada gesto ou ação da natureza a nossa volta, pois, é através dela que o Senhor age.
         Certo dia voltando para casa me sentindo muito triste, um dia desses em que era melhor não ter saído; tantos problemas: financeiros, amorosos e familiares; como se uma bomba houvesse caído na minha cabeça; o coração não seria forte o bastante para suportar esta carga, mas, lá estava eu, egoisticamente balbuciando frases que agonizavam, desconexas, como se lunático fosse, não importando quem estivesse a minha volta, não conseguia ver nada, absolutamente nada. Olhando para o infinito da janela do ônibus, uma voz suave e juvenil fez-se ouvir:
- bom dia senhor!
         Deparei-me com uma menina que aparentava cerca de 11 anos de idade; uma dessas meninas que vendem balas pelas ruas – suas roupas eram estranhas para a moda atual. Uma caixa de balas à mão e um sorriso contagiante no rosto. Ainda grogue pela mente telúrica de uma noite mal dormida, respondi com um aceno de cabeça concordando com sua exclamativa. Novamente ouvi sua voz, agora com um toque suave de sua mão cálida em meu braço:
- eu disse bom dia senhor!
         Dessa vez, surpreendido pela atitude positiva e corajosa da menina, balbuciei entre os dentes, pois não queria acreditar que naquele momento em que eu mais queria desaparecer da face da terra, uma criança estivesse buscando conversa com um sujeito como eu.
- o senhor não gosta de conversar, não é!
         Isso soou como um bramido dentro de meu peito. Como poderia ela compreender meus sentimentos!
- não é isso, é que tenho muitos problemas...   
Mal terminara a frase e ela tinha resposta para tudo, estava ali ao meu lado, observando-me sem eu perceber.
- problemas! Sei – disse ela com sua voz frágil e suave ainda em definição.
- o senhor conhece Sarapuí? (bairro bem distante do centro do urbano do Rio de Janeiro).
- conheço – disse eu.
- pois é, eu moro lá. Acordo às 4 horas, preparo o café para meus irmãos menores, pego meus doces e venho tentar levar algum dinheiro para ajudar minha mãe que trabalha o dia inteiro fazendo faxina e ainda volto para terminar de cuidar deles à tarde. E é o senhor que tem problemas?
         O meu dia que já estava péssimo acabara de ruir. Procurei um buraco para enfiar minha cabeça, mas não havia. Nunca uma frase soara tão forte como essa, um adulto não teria a coragem para dizer-me estas coisas, e na simplicidade de suas palavras, ditas com olhos de ternura e firmeza que fariam um estadista balançar, desabei em lágrimas. Não sei se de tristeza por me sentir tão hipócrita e egoísta, achando que era a única pessoa no mundo com problemas, ou de alegria por compreender que o Senhor enviara um anjo para me ensinar uma lição. Quando dei por mim, ela já havia descido do ônibus. Tentei inutilmente procurá-la, mas era tarde, sua mensagem havia removido o fundo do meu coração e feito um estrago na minha concepção de vida; olhando através do vidro da janela, só conseguia ver meu reflexo, a paisagem passava desapercebida, oculta em outra dimensão. Meus olhos penetraram profundamente dentro de minha alma e eu soube naquele instante; este é o momento para mudar, muitas vezes deixei as oportunidades passarem, mas, aquela menina em seu corpo frágil e sua voz delicada mostraram-me que Deus nos observa e às vezes não compreendemos.....? 
Por Paulo Figueiredo

                Solidão de Manhã
Olho no reflexo na esperança                                                                         
de ver um anjo que possa me ajudar.
Busco na memória a lembrança                                               
 pois, meus olhos querem te encontrar...
Não demore a se mostrar,                                                    
  quero olhar pra’ você e sentir o desafio.

Perto de você fico feito uma criança,                                      
 sem saber falar de amor.
Passo a noite inteira na agonia,                                          
com as lembranças que você deixou.

Na revoada dos pássaros, adormeço sem te conhecer.
E a natureza na mais bela poesia entrega-se ao amanhecer.

Não demore a se mostrar,                                                        
quero olhar pra´você e sentir o desafio:
De onde você vai surgir?
Meus olhos querem te encontrar e selar meu destino.

Solidão de manhã, castelos de areia,                                    
canto da sereia, estrela do mar.
De onde você vai surgir?
Não demore a se mostrar.    
Por Paulo Figueiredo